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Valor Econômico repercute opinião de Prof. Sacha Calmon
14 de dezembro de 2007
A vida sem CPMF
Por Danilo Fariello e Adriana Cotias, de São Paulo
A queda da CPMF traz uma série de benefícios para os brasileiros que mantêm investimentos ou qualquer outra relação com instituições financeiras. Em janeiro, deixará de incidir sobre a movimentação de recursos em bancos o pedágio de 0,38%, barateando os custos de todo o dinheiro que circula no sistema financeiro. "Havia uma pedra no sapato da sociedade, que foi tirada agora", comenta Sacha Calmon, professor de direito tributário da UFMG e sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Para uma renda de R$ 100 mil por ano, a CPMF levava pelo menos R$ 380 anualmente, considerados apenas saques do valor da renda. Quanto mais produtos financeiros usados, maior esse valor.
O resultado inicial da novidade vai ser rapidamente percebido no extrato bancário, diz Elisabeth Libertuci, do escritório Libertuci Advogados. "Por ocorrer em retiradas picadas, poucos conseguiam notar o impacto da CPMF, mas olhada de forma anual, a fatia era grande porque incidia sobre tudo há 11 anos."
No âmbito dos investimentos, o aplicador deixará de pagar o pedágio na hora da aplicação, tanto para investir em caderneta de poupança quanto
Flávio Porta, economista e advogado tributarista do Libertuci, destaca que o investidor será mais livre para fazer operações de curto prazo, pois quanto menor o período de rendimento, maior é o peso da CPMF. Em uma aplicação de renda fixa, em fundo ou CDB de um mês que renderia 0,8%, por exemplo, o investidor deveria bancar o imposto de renda de 22,5% sobre o ganho – ou 0,18 ponto percentual do ganho nominal – e duas CPMFs, uma na aplicação e outra no resgate para uso do dinheiro. "Sobrava muito pouco para o aplicador de curto prazo", diz Porta. Em aplicações de renda fixa dentro do prazo de um mês, permanece a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O problema é que o IOF pode ser usado pelo governo para compensar a perda de arrecadação com a CPMF, a exemplo do que ocorreu em 1999.
Com o fim da cobrança da CPMF, acaba também uma anomalia para o investidor que participa de ofertas públicas de ações. Isso porque a Lei 11.312, que estendeu a isenção que já era dada para ganhos de capital apurados em bolsa (para vendas até R$ 20 mil ao mês), determinou que o dinheiro destinado a ofertas saísse da conta corrente. Sem poder fazer a transferência direta da conta investimento para a liquidação dos papéis, na hora da venda, os recursos tinham de voltar, obrigatoriamente, para a origem, com nova CPMF no trânsito para outra aplicação ou no saque.
"O investidor não deixa de comprar ações em ofertas iniciais em razão do imposto, porque, em geral, visa um retorno bem maior do que o 0,38% da CPMF, no curto ou no longo prazo", diz o gerente comercial da corretora Ágora, Hélio Pio. "Mas essa é uma distorção que deixa de existir."
A vida para o aplicador de longo prazo em bolsa também ficará mais simples, se o fim da CPMF perdurar. Isso porque quem possuía ações antes da criação da conta investimento, em 2004, vem mantendo duas contas, tanto na corretora quanto na Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). Quando ele vendia os papéis de longa data em carteira, recebia os recursos na conta corrente, não usufruindo dos benefícios da migração das demais aplicações para a conta investimento ocorrida em 2006.
Sob a ótica pura dos investimentos, a perda estimada de R$ 40 bilhões em arrecadação do governo só azedou mais o humor local -já bastante deteriorado pela cena externa -, com efeitos adversos sobre o preço dos ativos. Ontem, o Ibovespa caiu 2,90%, o dólar subiu e os contratos de depósitos interfinanceiros (DI) dispararam na Bolsa de Mercadorias & Futuros. "Os fundos multimercados são os que tendem a sofrer mais com esse estado de coisas", alerta o sócio da Beta Advsory, Rogério Betti.
A CPMF também significa menos custos para quem toma empréstimos, uma vez que o devedor paga a contribuição embutida em todos valores recebidos e pagos pelo banco ou financeira – que costumam estar incluídos na taxa de juros. Depois, paga diretamente a CPMF quando resgata o crédito da conta corrente. E mais uma vez no vencimento, quando o banco retira os juros e o principal da conta. São duas CPMFs, ou seja, além dos juros, mais 0,76% sobre o valor.
Mas o efeito mais maléfico da CPMF sobre crédito incide sobre o cheque especial, debitado periodicamente da conta corrente, conforme o limite usado. "No entanto, é incerto se, quando incluída na taxa de juros, a queda da CPMF resultará em juros menores a serem pagos pelos devedores", diz Aguiar, do Rayes, Fagundes e Oliveira Ramos Advogados.
No lado real da economia, acrescenta Betti, absorvidos os impactos macros, toda a cadeia produtiva será desonerada, com impactos positivos sobres os custos das empresas listadas no pregão. "Até os empréstimos bancários poderiam ser barateados, porque hoje uma companhia que faz um desconto de duplicatas a 2%, 3%, acaba pagando 3%, 4%."
Os especialistas recomendam que, se possível, as pessoas segurem grandes gastos ou transferências de bens até o início do próximo ano, para driblar a CPMF. Mesmo que o tributo volte à pauta do Congresso e seja aprovado, demorará pelo menos 90 dias nessa tramitação, período em que haverá a garantia de transferências financeiras livres da CPMF, diz Aguiar. Na aquisição de um imóvel de R$ 300 mil atualmente, por exemplo, o comprador deverá deixar só para bancar a contribuição R$ 1,14 mil. Se deixar para o próximo ano, deixará de desembolsar o tributo.
A ausência do controle feito pela Receita Federal com o uso da CPMF também poderá trazer algumas vantagens às pessoas físicas, por exemplo, em empréstimos entre conhecidos. Até este ano, essa movimentação era percebida e o dinheiro, quando devolvido ou tomado emprestado, poderia ser considerado como renda ou despesa extra e levar o contribuinte arbitrariamente à malha fina, observa Aguiar.