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Artigo de prof. Sacha Calmon é publicado no DCI

01 de julho de 2010
O jornal DCI publica artigo do professor Sacha Calmon em sua edição de hoje, o qual leva o título “As injustiças fiscais”.
 
 
 
Opinião
 
As injustiças fiscais
 
Sacha Calmon
 
Quem deve ao governo pode ter todos os seus bens bloqueados on-line. Mas ai de quem é credor do governo.
 
Desde Aristóteles, a Justiça é um sobre valor fundado na igualdade que consiste em tratar de maneira igual os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Mas não é isso o que ocorre.
 
Além das injustiças fiscais, há uma evidente assimetria entre o tratamento dado aos contribuintes e aqueloutro dedicado aos governos, a realçar ainda mais as desigualdades.
 
Reza a Constituição que tanto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) quanto o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sejam seletivos, isto é, tributem menos o consumo de bens e serviços essenciais e, mais, os bens supérfluos e luxuosos, como bebidas em geral e cigarros, porque Programa de Integração Social (PIS), Contribuição Financeira para a Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Serviços (ISS), ICMS e agora o futuro Imposto sobre Valores Agregados (IVA-Federal) são impostos que recaem nas costas dos usuários e consumidores finais (tanto compra feijão o pobre como o senhor Antonio Ermírio de Moraes, o dono do Grupo Votorantim).
 
Então, a cesta básica deve ser pouco tributada, assim como o consumo de remédios, combustíveis, telefonia e energia elétrica, que, além de essenciais, são insumos universais, que estão nos custos de todos os bens e serviços que consumimos (junto com o preço, nos são repassados os custos tributários das empresas). São justamente as mercadorias e serviços mais tributados pelo ICMS. Isso mesmo!
 
O PIS, a Cofins, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) -dos combustíveis-, o ICMS e, no futuro, o IVA-F, incidem brutalmente no consumo.
 
A energia elétrica em certos estados tem alíquotas de 35%.
 
Como o ICMS está "dentro" do imposto, a alíquota incide sobre o preço cheio, sendo maior que 40%. A propósito, está no Supremo Tribunal Federal (STF) um recurso extraordinário (RE) para retirá-lo da base de cálculo da Cofins o ICMS.
 
Examine, caro leitor, a quantidade de impostos em sua conta telefônica.
 
Este recurso extraordinário estava com seis votos a favor e um contra.
 
Como são 11 os ministros, a causa estava ganha em favor dos contribuintes.
 
Houve um pedido de vista. Vários ministros aposentaram-se.
 
O governo federal entrou então com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), que tem efeito geral e vinculante.
 
Recentemente, o ministro Marco Aurélio colocou duas questões preliminares. Perguntou aos seus pares se deviam julgar primeiro o Recurso Extraordinário ou a Adin. Perdeu.
 
A nova composição da Corte decidiu votar primeiro a ação direta de inconstitucionalidade, por seus efeitos vinculantes.
 
Então o ministro Marco Aurélio declarou que o Recurso Extraordinário já tinha colhido sete votos, por isso a regra da prevalência da Adin não deveria prevalecer porque a questão já estava afetada à Corte.
 
Bastava decidir o Recurso Extraordinário, computando-se os quatro votos faltantes, dando-se ao RE efeitos gerais, em lugar de votar a Adin. Tornou a perder.
 
O que se pode concluir de toda essa situação?
 
Os votos já dados, por uma questão elementar de ética judicial, devem ser respeitados.
 
Estará o governo a dar uma rasteira nos contribuintes com a nova composição da Corte, esta que foi nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
 
É o que muitos dizem, mas nessa versão não creio, porque os ministros são ínclitos e a questão é elementar.
 
A Cofins incide sobre a receita bruta própria, não de terceiros. Ora, o ICMS é do estado.
 
É a mesma coisa que fazer incidir a Cofins sobre os aluguéis recebidos pelo administrador em favor dos seus clientes.
 
A sua receita bruta são apenas as comissões que recebe.
 
A Receita Federal diz que a correção monetária acabou, por isso não atualiza o valor histórico de aquisição dos bens imóveis. Quando o coitado do contribuinte o vende, leva 15% de Imposto de Renda sobre o preço sem atualização do valor histórico.
 
É injusto porque, se o contribuinte não pagar o chamado ganho de capital, fica sujeito a juros, multas e correção monetária.
 
Os efeitos econômicos são piores. Obrigam o contribuinte a subfaturar o preço ou a repassar o ônus fiscal ao comprador.
 
O Imposto de Renda (IR), em princípio, incide sobre uma riqueza nova. Mas certas despesas -como as com educação, previdência privada, saúde e ou depósitos para a aquisição da casa própria- deveriam ser totalmente dedutíveis do imposto, porque o contribuinte está a prover atuações que, em verdade, são deveres do Estado.
 
Deveria ainda, para dosimetrar o percentual das deduções, olhar a renda maior ou menor do contribuinte. E a progressividade deveria, é claro, começar por baixo e ir subindo: 10%, 15%, 20%, 25%, 30% e 35%, com a escada de abatimentos dentro de cada classe sendo menos íngreme que a das alíquotas.
 
Agora falam no tal imposto sobre grandes fortunas, causador de fuga patrimonial num país que precisa de investimento privado.
 
O pior vem na hora de cada um receber o que é seu, a ideia de justiça que a gloriosa Roma nos legou. Quem deve ao governo pode ter todos os seus bens bloqueados on-line (ação cautelar fiscal), antes mesmo da ação de execução.
 
Mas ai de quem é credor do governo. Ele paga em precatórios fatiados em 15 aos, quando paga. E ainda embaraça o credor que quiser ceder onerosamente com deságio o seu crédito podre. Dois pesos e duas medidas. A clássica figuração do injusto.
 
Sacha Calmon é sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt)

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