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Misabel Derzi concede entrevista ao Estado de Minas

11 de outubro de 2016

A professora Misabel Derzi concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Estado de Minas, tendo como tema central a justiça tributária.

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image007Justiça Tributária

Há luz no fim do túnel. A advogada tributarista Misabe l Abreu Machado Derzi segue com a missão de ajudar a administração pública a simplificar e equilibrar impostos. Atualmente, ela participa de uma comissão do governo estadual que, entre outras iniciativas, estuda mecanismos para, no futuro, devolver impostos embutidos em mercadorias para famílias mais pobres, o que aliviaria a carga tributária para parte dos brasileiros. Em 40 anos de carreira, Misabel acumula experiências como professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), procuradora-geral de Minas Gerais e de Belo Horizonte, presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT) e ainda comanda seu próprio escritório, firmando-se como uma das especialistas em direito tributário mais conceituadas do Brasil. Em entrevista ao Estado de Minas, a advogada revela que não tem planos de se aposentar.

Por que a senhora escolheu o direito?
Sempre me liguei à ideia de justiça como igualdade, que é o que está na nossa legislação. Direito é na sua essência justiça, e justiça como igualdade. Por isso escolhi o direito, e por isso continuo nele. Entrei como estudante na UFMG com 17 anos e de lá não saí mais.

Era um sonho trabalhar com direito tributário?
Entrei na área por acidente. Inicialmente, tinha uma preferência pelo direito do trabalho. Logo que me formei, decidi fazer concurso na UFMG para direito do trabalho, mas não abriam vagas. Então, comecei a dar aulas de direito tributário como substituta.

Qual é a importância do direito tributário?
Regular as relações entre os contribuintes e o governo. É uma disciplina que aparentemente diz respeito a comerciante, industrial ou pessoa física que paga Imposto de Renda, mas é um erro. Digo que só existem duas coisas certas na vida: a morte e os tributos. Os tributos dizem respeito a todos nós: aqueles que são postos na regra jurídica porque têm capacidade econômica, mas também todos os outros, sendo consumidores de qualquer mercadoria. Quando você paga conta de energia, medicamentos na farmácia, combustível no posto de gasolina, deve saber que estão embutidos vários tributos no preço cobrado. Todo cidadão acaba pagando impostos, mesmo que não tenha renda para isso.

O brasileiro costuma reclamar que paga muitos impostos. A queixa faz sentido?
A sensação de que a carga tributária é alta pode ou não ser confirmada, dependendo das circunstâncias. O Brasil arrecada muitos impostos, mas aqueles que mais reclamam nem sempre suportam a carga e a transferem para o preço das mercadorias que vendem. Logo, quem banca o peso dos impostos é o cidadão comum, que na maioria dos casos nem sabe o que ocorre. A carga é alta? Depende de qual tributo estamos falando e da relação com o produto interno bruto (PIB).

É isso que vem sendo discutido pela Comissão Permanente de Revisão e Simplificação da Legislação Tributária do Estado de Minas Gerais?
O governador estava interessado em saber se era possível reduzir a carga tributária numa situação em que há recessão econômica forte e muitos dos contribuintes estão em dificuldade financeira. A comissão levantou a carga tributária do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), principal tributo do estado, e constatou que ela é baixa. É de 4% em relação ao PIB, sendo que a média nacional poderia chegar a 7%. Por isso, a comissão não achou conveniente sugerir ao governador uma redução de impostos. Entregamos o primeiro relatório no início do mês passado com várias medidas de simplificação dos impostos. Extinguimos várias obrigações, como a emissão de nota fiscal, que toma muito tempo e dinheiro dos contribuintes. Outra sugestão é a de justiça tributária. Por força de muitas exonerações, a arrecadação está baixa. Com isso, para conseguir sustentar serviços públicos, o governo sobe o ICMS, de modo que todas as famílias, mesmo as mais pobres, pagam carga elevada. Estamos estudando em quais circunstâncias, no futuro, o estado pode devolver para as famílias de baixa renda o ICMS embutido na conta de água, de luz etc. Isso só não pode ser feito agora, por várias razões. Queremos firmar uma democracia participativa, porque o cidadão não deve obedecer ao tributo por medo de ser multado, mas porque está consciente de sua participação.

Quem são os outros integrantes dessa comissão?
A comissão agrega toda a administração tributária do estado – secretários da Fazenda, do Planejamento, da Casa Civil, advogado-geral do estado e Ministério Público. Participam também representantes da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio-MG), Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg) e Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB-MG). Há, ainda, professores e consultores, entre eles três canadenses, dois franceses, um alemão, um norte-americano e um argentino. Todos trabalham gratuitamente, são colaboradores do estado. Visamos maior igualdade e justiça no direito tributário. A comissão é permanente e continua seus trabalhos para elaborar o segundo relatório.

No âmbito federal, o que a senhora acredita que deve ser feito para equilibrar a carga tributária?
Acho que bastaria cumprir a Constituição. As mudanças poderiam ser feitas no imposto sobre a renda de pessoas físicas e jurídicas e nos impostos sobre consumo, por exemplo, para eliminar a cumulatividade desses tributos. Se esquecermos o sério problema da guerra fiscal, o sério problema da receita tributária reduzida para estados e municípios, é possível aperfeiçoar o sistema federal mediante leis. Não seria necessário alterar a Constituição.

A senhora teve outras participações no governo, inclusive como procuradora-geral do estado. Como surgiu o convite?
Recebi o convite de Itamar Franco, que tinha acabado de ser eleito, antes mesmo de tomar posse. Recusei num primeiro momento. Depois, esteve na minha casa o advogado de Itamar na ocasião, João Batista de Oliveira Filho, muito meu amigo, para me convencer, aí cedi. Ele levou dois temas que me instigaram. Um deles era o contrato que Minas Gerais tinha assinado com a União de renegociação da dívida. Era um contrato difícil e oneroso, com cláusulas que não poderiam ser executadas, o mesmo que ainda é alvo de discórdia e continua a ser contestado por outros estados da federação brasileira. O segundo tema foi a questão do sócio norte-americano da Cemig. Ele não tinha o controle majoritário em ações, mas, por meio de acordo com acionistas, estava no comando, e isso era inconstitucional e ilegal. Hoje, a Cemig é controlada pelo estado graças a essa ação, que deu muito trabalho.

Como uma das fundadoras da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT), como a senhora define a importância dela para o mercado?
Fundei a associação com o professor Sacha Calmon. Com o tempo, ela se tornou uma organização com sede em Minas Gerais, mas que tem diretores de outros estados. O objetivo é promover discussões, cursos, aperfeiçoar o conhecimento e as teses do direito tributário, reunindo professores e representantes dos vários fiscos em torno dos temas mais relevantes da área.

Atualmente, quais temas estão em alta?
No 20º Congresso Internacional de Direito Tributário, realizado no mês passado, discutimos os 50 anos do Código Tributário Nacional. Há alterações que precisam ser feitas, já que tributos modificados não encontram regulamentação no próprio código, a redação pode melhor, mas, se me pedir uma avaliação geral, acho o documento muito bom. Foi pioneiro em várias questões e introduziu muitos valores, como a proteção da confiança.

Em algum momento da carreira a senhora sofreu preconceito por ser mulher?
Se não fossem os concursos públicos, não sei se estaria onde estou. Entrei na faculdade de direto há 45 anos, numa época em que existia muito mais preconceito que hoje. Não quis seguir a carreira da magistratura, mas havia tribunais, como o de Pernambuco, que diziam, por exemplo, que as mulheres não tinham tirocínio necessário para julgar. É claro que isso caiu, porque era absolutamente inconstitucional. Fui uma ótima aluna, primeiro lugar da turma, mas será que isso bastaria para ser convidada para dar aulas se não tivesse passado no concurso? Graças a Deus, passei em cinco concursos e me sinto realizada. As pessoas que me convidaram para os cargos públicos não mostraram preconceito, nem mesmo o governador. Hoje, vejo que o preconceito foi muito reduzido, não está como antes, mas ainda existe. As mulheres ainda ganham menos que os homens, mas não em concurso público.

A senhora tem planos de se aposentar?
Não vou me aposentar. Só o farei quando estiver doente, incapacitada ou morta. Porém, existe na UFMG a compulsória, que é a saída da universidade aos 75 anos, aí não vai ter jeito, um dia todos chegam lá. Mesmo assim, continuarei exercendo a advogacia e dando aulas em universidades privadas.

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